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Dados revelam que os programas de TV nunca tiveram tão poucos convidados musicais

A televisão aberta nos Estados Unidos, historicamente um dos principais palcos para a estreia de artistas musicais, vive hoje uma retração inédita nesse espaço. De acordo com levantamento da Consequence, o número de performances em programas noturnos de TV caiu de mais de 800 anuais, entre 2011 e 2013, para pouco mais de 200 em […]

Report da Consequence mostra que programas de TV nunca tiveram tão poucos convidados musicais


A televisão aberta nos Estados Unidos, historicamente um dos principais palcos para a estreia de artistas musicais, vive hoje uma retração inédita nesse espaço. De acordo com levantamento da Consequence, o número de performances em programas noturnos de TV caiu de mais de 800 anuais, entre 2011 e 2013, para pouco mais de 200 em 2023. O dado marca uma virada na relação entre a música ao vivo e os formatos televisivos tradicionais, que antes eram vistos como trampolim essencial para artistas em início de carreira.

A mudança se intensificou após a pandemia e foi acelerada pelas greves da indústria audiovisual nos Estados Unidos em 2023. Mas fatores como cortes orçamentários e mudanças no comportamento do público, que passou a consumir mais conteúdos em redes sociais e plataformas de streaming, também pesaram. 

“As pessoas não assistem mais à TV noturna ao vivo como antes, especialmente os jovens. Hoje, o impacto de uma performance acontece mais nas redes sociais no dia seguinte do que no momento da transmissão”, explicou a pesquisadora Alyxandra Vesey, especializada em estudos sobre música e mídia.

O fim de uma era na TV noturna

O cenário atual representa uma ruptura com o que músicos e produtores consideravam como a era de ouro da TV noturna. Programas como Late Night with David Letterman e The Tonight Show with Jay Leno eram vitrines respeitadas para estreias e turnês. 

A performance da banda Future Islands no programa de Letterman, em 2014, é um exemplo clássico do impacto desse espaço: após a exibição, o grupo recebeu uma enxurrada de convites de festivais que antes haviam recusado sua participação.

No entanto, com a saída de David Letterman e Conan O’Brien da televisão aberta, e sem substitutos com o mesmo apelo musical, esse cenário se modificou. Em junho de 2024, o Late Night with Seth Meyers encerrou as atividades da banda residente liderada por Fred Armisen. Desde então, o programa também deixou de agendar apresentações musicais. Uma década atrás, o talk show registrava, em média, oito atrações por mês. Hoje, esse número é zero.

Declínio progressivo e mudanças de direção

A mudança no perfil dos apresentadores também impacta os números. Enquanto Letterman era conhecido por promover novos talentos e chegou a receber mais de 150 convidados musicais por ano, seu sucessor, Stephen Colbert, reduziu esse volume drasticamente. Em 2024, o The Late Show registrou apenas 50 apresentações — o menor número desde que ele assumiu o programa em 2015. A diminuição se tornou um indicativo de que a música perdeu centralidade na estratégia desses formatos.

Por outro lado, The Tonight Show Starring Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel Live continuam priorizando performances musicais. Ambos mantêm médias acima de 150 apresentações por ano. Segundo os produtores Mac Burrus e Jim Pitt, a decisão é editorial e estratégica: “A música sempre foi prioridade para o Jimmy”, afirmou Burrus, ao defender a permanência do espaço dedicado aos músicos. Em 2024, Fallon chegou a 139 atrações musicais, incluindo bandas emergentes e artistas pop em ascensão.

Por outro lado, artistas como Jennifer Hudson e Kelly Clarkson ganharam seus próprios talk shows nos últimos anos. No caso de Clarkson, a música ganhou ainda mais destaque, mas para a própria apresentadora. Seu já tradicional Kellyoke mostra a cantora recriando sucessos de grandes nomes do pop e rock, um dos pontos altos da atração.

Fragmentação de audiência e novas possibilidades

O recuo das performances ao vivo nos programas de TV reflete também uma nova lógica de consumo. 

“Hoje, os artistas jogam para várias plateias fragmentadas ao mesmo tempo. Não é mais sobre impactar o público em tempo real, mas sobre viralizar no dia seguinte”, explica Vesey.

Artistas como Doechii, Billie Eilish e Olivia Rodrigo têm explorado esse modelo, investindo em produções que se destacam visualmente e funcionam como clipes compartilháveis.

Mesmo assim, alguns formatos ainda conseguem manter o prestígio. O Saturday Night Live, que completou 50 temporadas em 2025, segue sendo uma das principais vitrines para músicos de diferentes estilos. Embora o programa vá ao ar apenas uma vez por semana, seu alcance e influência continuam relevantes. 

Em paralelo, projetos como Everybody’s Live, apresentado por John Mulaney na Netflix, tentam resgatar o espírito dos antigos shows de variedades, com participações musicais como Kim Gordon e Cypress Hill.

Dados da Consequence mostram declínio no número de convidados musicais (Crédito: Reprodução)

Não é só na gringa

Na televisão aberta brasileira, a música ao vivo vem perdendo espaço de forma parecida ao que ocorre nos Estados Unidos. Programas que antes eram referência em apresentações musicais, como o Domingão do Faustão ou o Altas Horas, reduziram a frequência com que recebem artistas para performances completas, priorizando entrevistas e quadros de entretenimento. 

A MTV Brasil, que já foi um dos principais canais de descoberta de novos nomes na música nacional, praticamente abandonou esse papel após reformulações em sua grade e modelo de negócios. Agora, a estação prioriza a exibição de reality shows e séries.

O Brasil, em diversos momentos, buscou replicar o formato norte-americano de programas de entrevistas com toques locais. O Programa do Jô, liderado por Jô Soares, é talvez o exemplo mais bem-sucedido, reunindo entrevistas, humor e atrações musicais por mais de uma década. 

Danilo Gentili, com o The Noite, também tenta seguiu essa linha. Já Tatá Werneck, no Lady Night, trouxe um formato mais híbrido e voltado para o improviso, recebendo músicos, mas com espaço limitado para performances completas. O modelo é reinterpretado no Brasil com adaptações de linguagem e orçamento, nem sempre com o mesmo impacto cultural das versões originais.

Um modelo em transição

A queda nas performances musicais na TV não significa, necessariamente, que esse espaço está perdido. Para artistas como Sharon Van Etten, que estreou na televisão em 2012, a experiência ainda é valiosa: 

“É uma chance de alcançar um público mais amplo. Meus pais, meus vizinhos, todos assistiram.” 

O desafio para os artistas e produtores é adaptar-se ao novo contexto, onde o impacto imediato cede lugar à repercussão pós-programa. Apesar da fragmentação do público, ainda há espaço para momentos memoráveis — e para muitos músicos, essa oportunidade continua sendo motivo suficiente para lutar por um lugar no palco da televisão.



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