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Tyler, The Creator e a libertação através do corpo

“Não é nada conceitual.” Tyler, The Creator fez questão de avisar. Antes mesmo de DON’T TAP THE GLASS chegar às plataformas digitais, o rapper tratou de baixar as expectativas do público que, após o denso e aclamado CHROMAKOPIA, esperava mais uma entrega emocionalmente ambiciosa. O aviso era, talvez, mais uma armadilha narrativa. Porque, se a […]

Tyler, The Creator e a libertação através do corpo

“Não é nada conceitual.” Tyler, The Creator fez questão de avisar. Antes mesmo de DON’T TAP THE GLASS chegar às plataformas digitais, o rapper tratou de baixar as expectativas do público que, após o denso e aclamado CHROMAKOPIA, esperava mais uma entrega emocionalmente ambiciosa.

O aviso era, talvez, mais uma armadilha narrativa. Porque, se a proposta do novo disco é libertar, permitir o movimento e desligar a mente por 28 minutos, essa também é uma forma de conceito. Um manifesto de corpo, som e gesto, contra o olhar vigilante que tudo transforma em performance para a câmera. “Nosso espírito humano morreu por medo de virar meme”, escreveu ele em uma nota antes do lançamento.

O disco, que apareceu de surpresa em meio à turnê de CHROMAKOPIA, não se preocupa em ser denso, mas é cheio de camadas. É solar, dançante, inspirado na house, no electro-funk dos anos 1980 e nas batidas sujas do Cherry Bomb. Também é, acima de tudo, uma declaração de independência estética. Tyler faz o que quer, no tempo dele, no ritmo dele, com o corpo que quiser. E propõe o mesmo a quem escuta: “no sitting still… dance, bro”, diz a voz robótica de “Big Poe”, logo na abertura.

Nesse sentido, DON’T TAP THE GLASS não é apenas um disco sobre música dançante. É sobre o direito de se expressar sem vergonha. Tyler confronta o medo de se mover em público — o medo de julgamento, de exposição, de ser filmado, de virar piada — e responde com grooves teatrais e refrões simples. Em vez de aprofundar sentimentos, ele os transpira. Em vez de confessar, ele convida: mexa-se.

A dança de Tyler The Creator

A produção é o grande trunfo do disco. Tyler se impõe como maestro e arquiteto de uma colagem sonora que mistura referências com frescor. Em “Sugar on My Tongue”, há um flerte com synthpop usado na década de 60; em “Ring Ring Ring”, ele apresenta um clima inspirado em Michael Jackson; enquanto em “I’ll Take Care of You”, ele revisita a bateria de “Cherry Bomb” e sampleia “Knuck If You Buck”, conectando os pontos entre o passado caótico e o presente libertino.

É como se Tyler estivesse dançando sobre a história da música negra e, ao mesmo tempo, a reescrevendo com seus próprios passos tortos.

Dançar também pode ser um ato político. Tyler sabe disso. Ele convoca a coletividade, o corpo, a ancestralidade. E desafia a masculinidade negra engessada pelo hip hop tradicional. Enquanto muitos ainda associam vulnerabilidade ao silêncio e sensibilidade à introspecção, Tyler propõe outra saída: libertar-se por meio do ritmo. “Este álbum não foi feito para ficar parado”, escreveu. E dançar, aqui, é muito mais do que balançar o corpo: é subverter códigos, romper com a estética da dureza, reconectar-se com um espírito que a era digital insiste em matar.

DON’T TAP THE GLASS não é um disco para ser dissecado linha por linha. Mas isso não o torna raso. Ao contrário: é na superfície que Tyler encontra novas profundidades. Ele sabe que não precisa mais dizer tudo, basta sugerir. E quando deixa os sintetizadores falarem por ele, o recado vem mais claro do que nunca: está tudo bem baixar a guarda. Está tudo bem esquecer um pouco a dor. Está tudo bem se mexer sem motivo. Está tudo bem, enfim, ser livre.



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