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MC Poze do Rodo e a criminalização da música preta no Brasil

A prisão de MC Poze do Rodo não é apenas um episódio isolado, mas a repetição perversa de um roteiro bem conhecido: a tentativa sistemática de silenciar, humilhar e deslegitimar a música preta e periférica no Brasil. Não se trata aqui de discutir a legalidade da detenção ou a pertinência das acusações – o ponto […]

Poze do Rodo

A prisão de MC Poze do Rodo não é apenas um episódio isolado, mas a repetição perversa de um roteiro bem conhecido: a tentativa sistemática de silenciar, humilhar e deslegitimar a música preta e periférica no Brasil. Não se trata aqui de discutir a legalidade da detenção ou a pertinência das acusações – o ponto é a escolha deliberada do Estado e de seus agentes de tratar corpos negros e favelados com truculência, espetáculo e vergonha.

MC Poze, um dos maiores nomes do funk brasileiro, foi algemado sem camisa, descalço, com os braços forçados para trás, enquanto repetia: “meu braço está doendo pra caraca”. A cena, amplamente divulgada, serve mais como troféu de uma ação policial do que como registro de um ato de justiça.

O mesmo Estado que conduziu Poze do Rodo à prisão como um inimigo público foi o que permitiu a prisão silenciosa, quase discreta, de figuras como o ex-presidente Fernando Collor, o empresário Thiago Brennand ou o influenciador Renato Cariani — todos brancos, ricos, envolvidos em acusações muito mais graves, mas tratados com a dignidade que nunca é concedida a quem vem da favela.

O recado que o Estado brasileiro transmite é claro: ainda que você, preto, pobre e favelado, consiga romper as estatísticas e enriquecer através da sua arte, jamais será autorizado a esquecer sua origem. O sucesso não absolve. A riqueza não protege. O talento não redime. A favela, para o Estado, não é território de cultura, mas de criminalidade. Por isso, a performance policial se faz necessária: não basta prender, é preciso humilhar.

Lei Anti-Oruam e a criminalização da música

A prisão de Poze do Rodo acontece em um momento emblemático, quando projetos como a chamada “Lei Anti-Oruam” avançam nas casas legislativas, tentando, sob o pretexto de proteger o público infantojuvenil, instituir um verdadeiro apartheid cultural: separar o que pode e o que não pode ser dito, cantado ou vivido pelos artistas de periferia.

É importante nomear o que está em jogo: não é a proteção da infância, mas o silenciamento das expressões culturais que denunciam a miséria, a violência e a opressão que o próprio Estado perpetua.

A música de favela sempre incomodou — e sempre foi criminalizada. Funk e rap não nasceram como entretenimento, mas como denúncia, como grito, como possibilidade de existência frente a um mundo que nega direitos, apaga histórias e mata sonhos. A tentativa de censurar e criminalizar esses gêneros não é apenas um ataque à liberdade de expressão, mas um ataque à possibilidade de existência de uma juventude preta que ousa transformar sua dor em arte.

É nesse contexto que MC Cabelinho pergunta:

“Quando interpretei um traficante na novela das nove, era arte. Quando um funkeiro relata a realidade, é apologia ao crime. Quem decide isso? Um juiz branco, racista, que não gosta de nós.”

O incômodo não está na estética ou na linguagem, mas na origem e na pele de quem fala. É o corpo preto e favelado cantando sua verdade que o Estado quer calar.

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Vitória de quem?

MC Poze do Rodo, como tantos outros, é um sobrevivente. Não um sobrevivente apenas da violência armada ou da pobreza, mas da necropolítica cotidiana que decide quem vive, quem morre, quem pode falar e quem deve ser silenciado. Ele próprio já celebrou, nas redes sociais, o orgulho de ter conseguido “tirar alguns amigos da vida do crime”. Sua música não é apologia ao crime, mas testemunho da possibilidade rara e preciosa de escapar dele.

Quando o Estado algema Poze diante de seus filhos e sua companheira, quando o expõe como troféu, está enviando uma mensagem: “você pode até ganhar dinheiro, pode até lotar shows e acumular milhões de seguidores, mas nunca deixará de ser o preto da favela que deve ser subjugado”.

O avanço da “Lei Anti-Oruam” apenas formaliza o que já está em curso: a tentativa de criminalizar não apenas a conduta, mas a própria existência de artistas pretos e periféricos. O que está em disputa é a liberdade de existir fora da lógica da obediência. De cantar o que se vive, e não o que o poder quer ouvir. A arte, para essa juventude, não é luxo, mas saída, é escola, é vida. Por isso incomoda tanto, por isso precisa ser silenciada.

A prisão de MC Poze é, sim, um aviso. Não existe coincidência. É um movimento arquitetado, como lembrou Djonga em recente fala na Câmara Municipal de Belo Horizonte, cobrando uma ação efetiva dos artistas.

“Eles (políticos) deixaram claro o tempo inteiro o que iriam fazer e o que fizemos? Decidimos não falar nada para não se prejudicar, não se queimar com o próprio público. Tem que puxar a orelha dos artistas para refletir como chegamos até aqui e como reverter essa situação. A arte sempre teve papel fundamental de incomodar. Medo de perder seguidor? Por mim, eu perco todos e recomeço do zero.”

Que esse episódio sirva como um chamado: não podemos mais fingir que não vemos. A perseguição à música preta e periférica é real, concreta, institucional. A resposta só pode ser uma: resistência, organização e solidariedade. Porque quando prendem um, querem calar todos. E quando a arte é crime, resistir é um dever.

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