PUBLICIDADE

Entrevista – Rubel abre coração em disco inédito: “Estou despido e vulnerável”

Para Rubel, “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?” é como um diário. No disco, lançado na noite da última quarta-feira (28), ele se permite ficar vulnerável, “nu” e dividir com o público suas reflexões após uma cirurgia no coração (feita há dois anos). No álbum inédito estão nove faixas, sendo elas […]

(Foto: Bruna Sussekind/Divulgação)


Para Rubel, “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?” é como um diário. No disco, lançado na noite da última quarta-feira (28), ele se permite ficar vulnerável, “nu” e dividir com o público suas reflexões após uma cirurgia no coração (feita há dois anos).

No álbum inédito estão nove faixas, sendo elas composições autorais, uma versão brasileira de um tema mexicano de El David Aguilar e um cover do Radiohead.

Todas são essencialmente guiadas pelo violão do artista, que dá um clima intimista ao projeto.

O instrumento também é a chave para ele trabalhar uma MPB mais tradicional e retomar a estética de seus primeiros projetos, “Pearl” (2015) e “Casas” (2018).

Isso, claro, sem perder de vista a experiência advinda dos estudos da diversidade musical e do contexto social do Brasil em “As Palavras” (2023).

Em entrevista ao Papelpop, o artista de 34 anos não só detalha o processo criativo do álbum e seu filme, como também abre o coração sobre o momento de vida e os dez anos de carreira musical.

Papelpop – Acho que a primeira coisa perceptível nesse álbum é o fato de você estar mais introspectivo, mais voz e violão, mais “Pearl” do que “As Palavras”. Como se deu essa retomada das suas raízes, dessa MPB de base que te lançou na cena musical dez anos atrás?

Rubel – Eu comecei muito pequeno, com o meu violão, gravando no meu quarto. No segundo disco, quis criar e experimentar uma produção que dialogava com o hip hop, que tinha uma banda grande e metais. No terceiro, fui para um lugar ainda mais maluco, misturando gêneros do funk ao pagode. Acho que era natural que, em algum momento, eu quisesse voltar ao meu lugar original. É como se eu tivesse precisado sair para poder voltar – e voltar diferente, mais velho, com mais bagagem e experiência. Fazer esse tipo de gravação em voz e violão, íntima, em que você está quase pelado, é um negócio muito difícil… exige muita confiança, segurança, e exige que você esteja muito afinado consigo mesmo. Acho que também precisei estar em um momento de vida “encontrado” o suficiente para ter coragem de entrar no estúdio só com meu violão e falar: “Agora eu me garanto de novo”.

No período de “Casas” e “As Palavras”, acho que eu não estava exatamente “encontrado”. Eu estava em busca de coisas e isso não desmerece esses discos – muito pelo contrário, acho que, às vezes, a busca é muito interessante e tem um resultado artístico poderoso. Em “Casas”, estava buscando não me limitar a uma estética de violão e entendendo como era a minha chegada na vida adulta. Em “As Palavras”, estava buscando um diálogo com a cultura brasileira e uma tentativa de inserir a minha música no contexto político e social, de olhar para temas que estão além da minha existência individual. Foram buscas muito importantes, que eu acho que levaram justamente a essa volta para um lugar introspectivo. Depois de ter vivido tudo isso, tenho saudades suficientes para voltar para o voz e violão e estofo para fazer isso de uma maneira que valha a pena. Eu volto, mas não volto igual. O disco não é folk, é muito de MPB – nesse sentido, é diferente de “Pearl” também.

PP – Me parece ter sido um processo criativo mais solitário – diferente de “As Palavras”, em que você tinha alguns parceiros, de Milton Nascimento a Xande de Pilares e MC Carol, que eram grandes trunfos para você explorar diferentes ritmos. Foi realmente assim, mais intimista, dessa vez?

R – Foi totalmente. Eu produzi e compus sozinho esse disco. Eu realmente queria um disco que soasse como se eu estivesse dando acesso ao meu quarto, às 3h da manhã, e [mostrando] como é que acontece. Queria captar essa sensação de intimidade. Queria criar essa atmosfera muito crua e muito verdadeira que acho que “Pearl” e “Casas” têm, quase criando lugares físicos – você dá play e entra em um universo. “As Palavras” tem um pouco menos disso porque é mais caótico (risos), mas, em “Pearl” e “Casas”, você quase vê as cores daquele espaço. Queria muito construir algo que fosse assim, que tivesse uma unidade do início ao fim. Queria que não tivesse feat. por causa disso também. Esse disco é um diário da minha vida. Queria muito que ele tivesse a liberdade de um diário e a sensação de dar acesso às pessoas a uma parte em que eu estou realmente despido e vulnerável.

(Foto: Henrique Barreto/Divulgação)

PP – Acho interessante quando você fala que volta, mas volta diferente, porque teve muitas experiências até aqui. Para “As Palavras”, inclusive, você estudou o cancioneiro brasileiro. Ele influenciou o álbum novo, ainda que os dois sejam trabalhos diferentes?

R – Para mim, este que é o grande barato de envelhecer, talvez (risos), fazendo uma coisa: um trabalho influencia o outro. Às vezes, você dá início a uma coisa em um projeto, mas ela só vai se aprofundar ou se resolver em outro. O estudo que eu tive sobre o cancioneiro brasileiro, da MPB, do Dorival Caymmi, passando por João Gilberto, Caetano [Veloso] e Chico [Buarque], até Jorge Ben [Jor], ampliou o meu vocabulário musical. Isso, para mim, foi muito legal. [Agora] pude voltar para o lugar “pelado”, mas com as ferramentas – musicais e literárias também – que eu não tinha na época de “Pearl”. Sem dúvidas, o estudo de “As Palavras” foi muito importante para eu chegar nesse resultado, que é um disco que eu acho que se insere mais que os outros na tradição da MPB, dessa coisa do cantor-compositor e do violão, que é tão forte e tem tantos exemplos na música brasileira. Sinto que esse disco é mais afirmativo no sentido de “eu quero pertencer a essa galera, a esse tipo de fazedor de música”.

PP – Agora, você fala muito sobre o tempo, o amor, a vida num geral. É um diário, como você disse. Fiquei me perguntando o quanto isso teve a ver com a cirurgia que você fez no coração, pouco depois do lançamento de “As Palavras”. Passados dois anos, de que forma esse procedimento mexe com você e com sua música?

R – Eu evito focar muito nisso para não virar o “disco da cirurgia” ou o “disco do coração”, mas quase todas as músicas foram compostas nos meus dois meses de recuperação pós-cirurgia. Parei tudo por dois meses e fiquei com o violão, tocando e gravando. Quando vi, tinha composto muito. Foram composições gratuitas, que não eram um projeto e vieram muito espontaneamente – o que é um presente para quem compõe porque muitas vezes a gente se vê obrigado a compor. Dessa vez, elas vieram até mim. É uma coisa que você olha para o céu e fala: “Obrigado por mandar essas canções” (risos). Então a cirurgia foi muito determinante. Ela me fez rever como quero viver a minha vida, como quero usar o tempo que tenho na terra e quais são minhas prioridades. Me fez botar um freio na busca do sucesso pelo sucesso, dinheiro pelo dinheiro, público pelo público, e resgatar a arte pela arte, a beleza que me move, dá graça para a minha vida e me inspira a ser uma pessoa melhor, sem necessariamente ser um meio para chegar no sucesso.

Essa relação com a arte é muito preciosa e difícil de preservar quando você tem uma carreira porque você tem que lidar com estrutura de show e público, pagar conta e banda, lotar a Concha Acústica (palco icônico de Salvador, cidade da repórter) – e é difícil encher aquele lugar (risos). A feitura dos meus primeiros discos foi marcada por isso… o processo pós-disco é caótico porque todas essas questões mercadológicas, especialmente em turnê, vêm muito forte. Quando você vê, vira um trabalho mesmo, então o pós-cirurgia foi muito importante para me lembrar por que eu faço música e o que eu quero. Não é à toa que [o novo álbum é] muito introspectivo. Eu tive que olhar muito para mim e entender o que eu queria com a música, como eu queria gastar o tempo da minha vida e, como eu costumo dizer algumas vezes, como eu driblo e venço a morte estando vivo. A morte vai ganhar da gente em algum momento, a morte chega e vence a vida, mas a gente pode vencê-la vivendo com firmeza e verdade. Acho que esse disco vem muito dessa vontade de viver à vera.

PP – Depois do período de recuperação da cirurgia, você entrou em turnê com “As Palavras”. Ao mesmo tempo, então, você já estava trabalhando em “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?”?

R – Exato. Logo depois de “As Palavras” veio a cirurgia e compus quase todas as músicas. Ano passado todo eu estava fazendo turnê e gravando.

PP – Reparei que você deu uma sumida, inclusive das redes sociais, quando terminou os shows. Foi justamente para terminar o álbum?

R – Para terminar o disco e ver se as pessoas ficavam com saudade de mim (risos). Eu já tinha terminado a turnê. Era um hiato em que eu pensei: “Cara, eu vou ficar falando o quê aqui na internet? Vou falar da minha vida, ficar inventando moda?”. Eu não queria ficar falando coisas inúteis e achei que a ausência era importante, para você ter um impacto quando voltar. Era bom tanto para [cuidar da] minha saúde mental quanto para focar no meu disco. Também passei por um processo muito intenso no Candomblé, de feitura de cabeça. Eu saí do mundo por quatro meses – um mês inteiro de feitura no terreiro, mais três meses de preceito. Tudo casou. O tempo das coisas foi muito certo para começar um ciclo e começar outro.

(Foto: Henrique Barreto/Divulgação)

(Foto: Henrique Barreto/Divulgação)

PP – Sobre o repertório desse disco… além das faixas inéditas, você faz uma versão brasileira de El David Aguilar e um cover do Radiohead. Por que incluir essas músicas? O que te fez pensar: “não, essas músicas precisam estar aqui”?

R – A música do Radiohead é uma que eu amo e que me marcou, que sempre fez parte do meu repertório afetivo de uma maneira muito profunda. Quando eu era adolescente, o disco “In Rainbows” saiu e mudou a minha vida. Quando eu fui abrir o baú da minha cabeça, do meu inconsciente, na hora de compor e gravar, eu estava tentando ser visceral e não calcular demais. Eu ia tocando e gravando coisas… e essa música veio com uma força muito grande um dia, tão viva e tão minha quanto as músicas que eu tinha acabado de escrever. Era como se ela estivesse realmente marcada no meu corpo. Também tinha a questão da melancolia dela e a emoção que ela desperta, que dialoga muito com o disco. E ela é em falsete, eu nunca tinha gravado uma música em falsete e queria experimentar.

A música de El David Aguilar é uma canção mexicana que eu ouvi há uns cinco anos, fiquei apaixonado e fiz uma versão em português para gravar em “As Palavras”, mas que não coube no disco por causa da estética dela, que é voz e violão. Um dia, também resgatando esses arquivos para esse disco novo, achei a versão e fiquei chorando por horas ouvindo. Falei: “Caramba, ela tem tudo a ver com a alma desse disco”. A letra diz muitas coisas que têm a ver com o que eu pensei depois da cirurgia. Então [as faixas] parecem todas meio primas. Esses dois covers ajudaram a dizer o que faltava nas músicas que eu compus.

PP – Outra coisa que me deixou curiosa foi o nome do álbum, “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?”. É uma expressão muito usada, uma pergunta que muitas vezes fazemos para nós mesmos ou para os outros, mas por que fazê-la de título?

R – Eu queria um nome que tivesse um pouco do tom do disco, que é estranho e experimental, mas pop, e uma brincadeira literária. Um título que não tem cara de título – eu estava buscando um pouco isso. A sensação é que ele foi extraído de um diálogo, como se tivesse algo antes e algo depois, mas você só recebe um fragmento, então precisa imaginar: “Do que ele está falando? Se ele falou ‘beleza’, alguma coisa foi dita antes”. Eu gosto muito desse mecanismo de algo que já te obriga a ficar em movimento. Acho que é um título que desperta alguma coisa. Você pode até achar ruim (risos), mas você não vai ficar imune a ele. Ele também tem muito a ver com a coisa temática porque uma das reflexões do disco é: “O que eu vou fazer com a minha vida? Como é que eu faço para fazer esse negócio valer a pena? Como faço para eu olhar para trás daqui a anos e falar: ‘Eu vivi como eu gostaria e viveria isso infinitas vezes novamente’?”. Acho que essa pergunta pode ser aplicada para a escala grande da vida e para as coisas mínimas, insignificantes. “A gente faz o quê com isso?”… “isso” é qualquer coisa. Essa palavra pode designar tudo, inclusive o próprio disco: “O que a gente faz com essas músicas que esse cara acabou de me dar?”.

PP – A gente chora? A gente ri?

R – Exato (risos)! Espero que tudo isso.

PP – Você ainda lança um curta-metragem com as canções, o que é muito interessante, tendo em vista os seus estudos e a sua conexão com o cinema. Como foi o desenvolvimento do filme e como ele se conecta com o disco?

R – Eu não participei ativamente da criação dele. Fui mais um produtor, no sentido de chamar Larissa Zaidan, financiar e dizer: “Faz o que você quiser, eu confio em você”. Lari é uma diretora de São Paulo muito talentosa. Ela assistiu ao clipe de “Quando Bate Aquela Saudade” e me escreveu, falando que queria trabalhar comigo. Eu já estava de olho no trabalho dela, então foi um match perfeito. Ela escutou o disco ainda em processo e criou a história, que é sobre três gerações diferentes que vivem na cidade de Cubatão – na verdade, é filmado em Cubatão, mas pode ser uma cidade idílica, perdida no mundo, quase abandonada e esquecida. Ela ficou tão empolgada que a gente acabou filmando em película de 35mm, que é um formato muito difícil de se filmar e é a câmera de “Ainda Estou Aqui”, que tem uma imagem muito linda. O filme não é uma obra minha, é uma obra dela a partir do [álbum] que eu criei, mas os dois são complementares. Acho que o que ela criou dialoga tão belamente com as músicas que, para mim, vira quase uma coisa só. Eu gostaria muito que as pessoas ouvissem e assistissem, recebessem os dois, porque essas imagens ajudam a criar a sensação e o universo do disco.

PP – Também quero saber: com dez anos de trajetória e com “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?” sendo o seu quarto álbum, você está mais ou menos ansioso diante de uma estreia hoje? O coração cria mais expectativa ou fica mais tranquilo?

R – É muito melhor [agora]. Envelhecer é bom (risos). Eu tinha muito mais insegurança, muito mais ansiedade, muito medo da carreira musical. Eu achava que a minha carreira musical podia acabar a qualquer hora, que tudo ia acabar se meu disco não fosse bom, porque, realmente, o mundo da música é muito volátil. Uma pessoa que aparece agora, some no ano seguinte. Um disco que todo mundo ama, de repente ninguém mais ouve. Isso sempre me assustou muito – com razão, até. Eu sempre estive muito consciente de que não tenho garantias. Acho que foi depois do meu terceiro disco ter “dado certo”, digamos assim, que eu finalmente pude respirar, olhar e sentir que estava sólido, tipo: “P*rra, eu fiz três vezes. São dez anos fazendo essa parada. Dá para arriscar e fazer um disco que as pessoas não amam ou não é um sucesso”. Eu construí ele me dando essa folga. Se gostar, vão gostar. Se não gostar, não vão. Então estou muito tranquilo para esse lançamento.

Em “Pearl”, eu também não tinha expectativa porque não queria ser músico, não achava que isso ia dar em nada, então era uma brincadeira… depois, não, virou muito sério. Mas acho que dessa vez eu retomo um lugar não de brincadeira, porque é uma coisa muito importante para mim, mas de confiança, de entender que eu sei o que estou fazendo. Fiz um disco que eu amo, em que eu acredito, e não tenho expectativa dele ser um p*ta sucesso comercial. Só acho que vai ter o lugar dele, sabe? Vai ter a galera que gosta desse tipo de música, que quer ouvir chorando, bebendo uma garrafa de uísque ou [curtindo] numa praia com os amigos. Eu vejo que a galera de “Pearl” e “Casas” espera um pouco algo com esse tipo de sentimento. Estou muito confiante, muito em paz. A minha sensação é que [o álbum] já deu bom, que já aconteceu.

PP – Para finalizar: você já está pensando em uma turnê do disco?

R – Sim! Vai ser uma turnê de voz e violão, o que tem a ver com tudo o que a gente falou aqui, com a estética, com “Pearl” e com essa retomada. Já temos cidades e datas, mas não posso falar agora.

PP – Tem alguma música que você está mais animado para apresentar ao vivo e ouvir o público cantar junto?

R – Boa pergunta. A música que estou mais curioso para ver ao vivo é “Ouro”, que é a música que todo mundo está gostando mais, então tenho a sensação de que vão cantar muito [nos shows]. Agora, eu tenho medo porque o arranjo de “Ouro” é tão bonito no disco que eu não sei, não resolvi como vou fazer isso no voz e violão, porque tem aqueles beats e as cordas que entram e tal. Mas o voz e violão tem uma magia muito doida… se você for no show, você vai ver. Acontece uma parada que as pessoas cantam e meio que viram a banda. É muito mágico um show assim. Estou curioso para o disco todo ao vivo, mas acho que “Ouro” é a música que vai ser mais forte.

(Foto: Bruna Sussekind/Divulgação)

(Foto: Bruna Sussekind/Divulgação)





Fonte

Leia mais