Por Redação
Ele é o cérebro por trás do som. O arquiteto da música moderna. O responsável por dar identidade, forma e vida ao que o público consome em looping nas plataformas.
Ainda assim, o produtor musical brasileiro segue sendo um dos profissionais mais ignorados e mal remunerados da indústria criativa do país.
Enquanto em mercados como o norte-americano, britânico ou canadense, produtores ganham Grammy, aparecem no título das músicas, fecham campanhas com marcas e viram artistas por direito, aqui no Brasil, eles seguem sendo, em muitos casos, apêndices invisíveis do processo criativo.
E não é por falta de talento.
É por falta de estrutura, educação de mercado e respeito.
A estrutura que não estrutura ninguém
O Brasil tem uma das cenas musicais mais vibrantes do planeta. O país exporta artistas, gêneros e estéticas com alcance global.
Mas quando se fala de produção musical — especialmente no rap, trap, R&B e pop independente — o profissional que constrói a sonoridade continua, em muitos casos, trabalhando sem contrato, sem crédito e, às vezes, sem receber.
Um levantamento informal feito por coletivos e fóruns online com beatmakers e produtores revelou que:
- Mais de 60% já tiveram músicas lançadas sem contrato assinado.
- Quase 50% não foram pagos pelo trabalho, mesmo com a música monetizando nas plataformas.
- Apenas 10% recebem porcentagens de royalties de forma justa e recorrente.
Crédito não paga boleto
A prática de oferecer “visibilidade” como forma de pagamento ainda é comum, principalmente entre artistas independentes.
“Já recebi mensagens dizendo: ‘Vamos trabalhar juntos, te marco no Instagram'”, diz um produtor de 26 anos do Rio de Janeiro, que preferiu não se identificar. “É como se o meu trabalho não tivesse custo, como se eu fosse um acessório descartável do processo.”
Esse comportamento é reflexo de uma cultura musical que não educa nem artistas nem público sobre o papel e o valor do produtor.
“Quando a música explode, quem aparece é o intérprete. Quem vai à TV, ao podcast, ao show, é o artista. O produtor continua no quarto, no home studio, na sombra”, explica.
O caso LR Beats: o produtor que virou marca

Dentro de um cenário ainda nebuloso e desestruturado, o exemplo de LR Beats se tornou um ponto de virada.
Com mais de 100 milhões de plays e um portfólio que inclui Ty Dolla Sign, RealestK, Rashid, Drik Barbosa, Edi Rock e campanhas com Nike, Neymar Jr e SBT, LR não apenas conquistou espaço — ele construiu um modelo de reconhecimento.
Foi o primeiro produtor brasileiro a ter um site próprio para venda de beats, o primeiro a oferecer instrumentais com refrões originais e a fechar parcerias com marcas como FL Studio, Waves Audio, BeatStars e LANDR.
Hoje, ele é tratado como um artista. Uma referência. Uma marca criativa.
E tudo isso nasceu do inconformismo. “Eu entendi que, se o Brasil não me valorizava, eu precisava criar meu próprio valor e mostrar ao mundo”, já declarou em entrevistas.
O impacto na nova geração de produtores
A falta de valorização tem um efeito direto e preocupante: o esgotamento de talentos.
Produtores com grande potencial acabam desistindo, migrando para outros setores, ou limitando suas criações por não enxergarem retorno.
“A gente estuda mixagem, harmonia, software, investe em plugin, hardware, horas de dedicação… e ainda assim é tratado como alguém ‘secundário’ na música”, comenta Babi, produtora musical independente de São Paulo.
A ausência de contratos formais, de orientação jurídica e de acesso à educação financeira e direitos autorais agrava o problema e perpetua o ciclo de exploração.
Um ciclo que precisa ser rompido
Especialistas em direitos autorais alertam: o produtor musical é coautor da obra.
Se a batida, melodia ou arranjo partem dele, ele tem direito legal à porcentagem da música — seja no Spotify, YouTube ou no palco.
Mas, sem estrutura de gestão coletiva, sem diálogo transparente entre artistas e produtores, muitos seguem produzindo no escuro.
É necessário:
- Educação para produtores e artistas sobre contratos, direitos e modelos de licenciamento.
- Associações que representem os interesses do produtor musical, como acontece com intérpretes e compositores.
- Plataformas e selos que deem visibilidade justa para quem está por trás da música.
Valorizar o produtor é fortalecer a música como um todo
A desvalorização do produtor musical no Brasil não é só um problema de bastidores. Ela afeta a qualidade da música produzida, o crescimento da cena independente, e a saúde mental de quem cria.
Reconhecer, remunerar e creditar corretamente os produtores é uma questão de justiça criativa — e de sustentabilidade da indústria.
Aos poucos, nomes como LR Beats, Ecologyk, Tropkillaz, DJ Murillo, entre outros, vêm mudando o cenário. Mas a base ainda sofre.
E enquanto o produtor for visto como uma engrenagem descartável, a indústria continuará capenga, com som bom — mas estrutura falha.