As festas privadas de funk vêm ganhando força no circuito alternativo e mudando a forma como o gênero circula fora dos bailes de rua. A Submundo 808 e a Baile Room são dois exemplos desse movimento: lotam as pistas em poucos minutos, criam experiências únicas para o público e abrem caminho para DJs e artistas da quebrada. Inspiradas no formato do Boiler Room, elas levam o som e a estética do funk para espaços fechados, mantendo a essência do baile e criando um ambiente seguro para quem frequenta.
As propostas desses eventos não se limitam à música. Com sets que misturam house, afrobeat, trap e diferentes vertentes do funk, os coletivos por trás das festas tratam o som como uma linguagem de resistência.
A Baile Room, nascida em Belo Horizonte, virou referência ao unir performance e protagonismo periférico em pistas onde tudo gira em torno da dança. Já a Submundo 808, criada em Campinas, tem levado seu palco 360º para edições em São Paulo, com DJs tocando no centro do público e estrutura pensada para aproximar artista e plateia.
A Baile Room e suas conexões
Criada em 2018, a Baile Room é comandada pelos DJs D.A.N.V, Kingdom, VHOOR e VKKramer. O coletivo lançou neste ano seu primeiro álbum, “A Baile, Volume I”, pela ONErpm, e vem atuando também como selo. O projeto reúne faixas com MC Magrinho, MC CL, MC 2D e MC 7 Belo, misturando o funk de BH com a estética eletrônica global.
A festa nasceu de encontros entre amigos que queriam trocar música e fazer a pista vibrar.
“Foi uma troca muito verdadeira entre a gente e o público que foi conhecer o Baile Room desde lá. Ter ganhado essa proporção de inspirar a cena cultural da nossa cidade e de outros locais é um sentimento de trabalho feito e pra mostrar que é possível levar um mensagem adiante com a música e o coletivo. A gente percebe isso diariamente quando conversamos pessoas que acompanham nosso trabalho e nossos sets na pista”, disse KRAMER.
O reconhecimento internacional veio quando a Baile virou uma das ramificações oficiais da Boiler Room no Brasil.
“A Baile foi o primeiro coletivo de DJs a se apresentar nesse formato dentro da Boiler — foi um set grande, com 4 DJs tocando juntos. Isso não é tão comum se falando de underground. Como artistas e produtores, ser convidados para uma das edições da Boiler Room realizadas no Brasil era impossível — é uma dupla concorrência com outras produtoras/labels, entende? O meio musical tem tanta disputa quanto qualquer outro mercado. Então juntamos as peças: falamos com os gringos, vendemos nossa pauta, levantamos a grana, montamos nosso line e colocamos nosso produto nessa prateleira internacional”, contou RAFAEL.
Segundo ele, o grupo articulou tudo: falou com os organizadores internacionais, montou o line-up e bancou a estrutura. “Colocamos nosso produto nessa prateleira internacional”, disse.
Essa mistura de sonoridades, de acordo com D.A.N.V, já fazia parte do projeto desde o início.
“Desde a primeira edição, o Chill Baile (a mistura entre trap, funk, bossa nova e future beat) foi pontapé inicial dessa mistura que sempre fez parte da nossa vivência tanto como coletivo e quanto de forma individual. Sempre aconteceu de forma genuína e experimental misturar sonoridades e é daí que nasce ‘conectando você a novas sonoridades’.”
Mesmo com o crescimento, os organizadores afirmam manter o foco no que os fez chegar até aqui.
“O crescimento da Baile Room é resultado de um movimento construído com muito pé no chão e conexão com o nosso público. Por mais que hoje a gente esteja dialogando com marcas e plataformas diversas, a essência continua sendo a mesma: a importância de dar visibilidade aos DJs/coletivos do underground de BH e do nosso grande Brasil… Real que vivemos e consumimos, o que colocamos em prática em nossos line-ups. A Baile só cresce porque continua sendo feito por mentes que entendem os movimentos ao nosso redor e suas necessidades, para que juntos possamos fazer a engrenagem girar em um espaço que seja justo para todos. Sabemos da nossa responsabilidade em inspirar outros movimentos, e torcemos para que esse nosso compromisso na cena sirva pra abrir caminhos pra mais gente e para mais coletivos desenvolverem suas ideias e torná-las realidades!”, afirmou KINGDOM.
O movimento da Submundo 808

A Submundo 808, criada pela 808 Produções, surgiu com a ideia de criar um espaço de valorização do funk e da cultura periférica em Campinas. Hoje, o evento reúne milhares de pessoas e impactou mais de 70 mil pessoas só em 2024, entre edições na cidade e na capital paulista. O formato de palco no centro da pista e a estética inspirada em projetos de música eletrônica ajudam a criar uma atmosfera de proximidade entre DJ e público, um dos pilares da proposta.
Segundo André Miqueloti, o momento em que perceberam a expansão do projeto foi a primeira edição em São Paulo.
“Primeiramente foi quando a gente alcançou altos números de visualizações na internet, como no TikTok, com os sets que a gente estava postando dos artistas. A gente viu que esse crescimento tinha chegado mesmo, mas eu acho que a gente visualizou isso mesmo, quando a gente fez o nosso primeiro evento em São Paulo. A gente tinha mudado o evento para uma estrutura menor e em pouquíssimo tempo a gente esgotou os ingressos e acabamos até mudando o local para um lugar maior e mais confortável. E ali foi um momento de choque de que a gente estava movimentando mais pessoas do que dentro da nossa própria cidade, né? A nossa primeira festa lá foi para 6.000 pessoas mais ou menos, que é muito mais do que a nossa capacidade aqui em Campinas. E eu acho que esse foi o start.”
Para Vinicius Mariano, a ideia do palco 360º foi pensada desde o começo.
“O formato é, pra gente, o coração da Submundo. Foi o que trouxe uma experiência nova tanto pra cena local quanto pro público que a gente queria atingir. (…) Desde a primeira edição, a Submundo foi pensada como uma experiência 360: O artista no centro. Valorizando o DJ, a cultura do DJ de funk e aproximando o artista do público.”
Não por acaso, nenhum palco da festa ultrapassa 60 cm de altura, justamente para reforçar essa conexão direta.
“O mais legal é que a resposta foi imediata, com feedbacks tanto do público, que pôde ficar mais perto dos artistas, que na maioria das vezes são ídolos, quanto dos DJs, que relataram sentir uma troca verdadeira. Essa escolha criou uma atmosfera única, onde o público recebe e entrega energia de forma intensa e sincera, independentemente do artista que está se apresentando. Hoje é incrível ver edições com mais de 10 mil pessoas em volta de um palco ‘pequeno’ no centro da pista, com respeito, e criando uma sensação que muitos artistas já descreveram como única”.
Além de criar festas, a Submundo também se posiciona como movimento cultural. Em um cenário onde o funk ainda sofre criminalização e repressão, como nos casos de violência policial contra bailes de rua, o evento se propõe a oferecer uma alternativa segura, sem abrir mão da linguagem da quebrada.
Com o crescimento do evento e o interesse de marcas, manter a base segue como prioridade.
“Com certeza o crescimento do projeto é motivo de muito orgulho pra gente, mas eu também acho que é uma responsabilidade ainda maior. Porque desde o começo do projeto a gente tem um compromisso com a cena do funk e da quebrada, que é trazer visibilidade, estrutura e acesso para toda essa galera. Acho que as parcerias com as marcas e os grandes números são consequência de um trabalho que nunca deixou de priorizar os princípios dos nossos movimentos e a gente vai se manter assim. A cada passo a gente sempre se pergunta ‘isso aqui ainda representa nossa essência? Ainda conversa com quem é da base?’, e se não conversa a gente para, ajusta, escuta e reconstrói”, afirmou KEL DJ.
Novos formatos, mesmas raízes
Tanto a Baile quanto a Submundo passaram a ocupar festivais, firmar parcerias com marcas e ampliar sua presença online. A Submundo, por exemplo, já soma mais de 400 mil seguidores no TikTok e mais de 77 milhões de visualizações.
Mas o crescimento vem acompanhado de atenção à origem. As duas festas seguem contratando profissionais periféricos e colocando no centro da pista artistas que surgem longe dos holofotes do mercado.
A ONErpm, parceira da Baile Room, tem colaborado na distribuição e estruturação do selo musical do coletivo. Ao conectar projetos com potencial a uma estrutura de alcance global, a empresa reforça a presença da música de quebrada no ambiente digital e nos festivais.
Enquanto os bailes em espaços públicos seguem enfrentando obstáculos, essas festas privadas criam novas formas de circulação para o funk, sem diluir sua força. Em vez de adaptar o som ao espaço, elas moldam o espaço para o som, criando pistas onde a batida é direta, o corpo é o centro e a quebrada é protagonista.
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